MANOEL CONGO

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MANOEL CONGO


Manoel Congo entrou para a história do Brasil como o Zumbi do Vale do Café. Ele liderou a maior rebelião de escravos na região de Paty do Alferes e Vassouras e abalou os alicerces do regime escravocrata da região sul fluminense, que na época era a maior produtora mundial de café. Fugiram, liderados por Manoel Congo e Marina Crioula, mais de 300 negros de várias fazendas.

Manoel Congo era escravo de valor, era ferreiro, uma profissão rara. Nem todas as fazendas dispunham de um profissional qualificado nesse ofício por isso era muito requisitado por outros fazendeiros, o que lhe possibilitava livre trânsito entre várias fazendas, fato que o ajudou no planejamento e organização da fuga.

Era um negro forte e habilidoso, de pouca fala e pouco sorriso. Acredita-se que tenha sido pessoa de destaque em sua terra de origem, pois entre os kibundos, nação africana angolana, o ofício de ferreiro era exercido pelos nobres da tribo.


Mariana Crioula

Mariana Crioula era uma escrava nascida no Brasil com cerca de 30 anos na época da rebelião. Era costureira e mucama (escrava de companhia) de Francisca Elisa Xavier, esposa do capitão-mor Manuel Francisco Xavier, proprietário da Fazenda Freguesia, onde a rebelião começou. Foi descrita como sendo a "preta de estimação", assim como uma das escravas mais dóceis e confiáveis da sua patroa. Apesar de ser casada com o escravo José, que trabalhava na lavoura, vivia e dormia na casa-grande, sinal de que tinha privilégios concedidos pelos senhores.


O porquê do nome

         No século XIX, quando intensificou-se o tráfico de escravos para suprir a necessidade de mão de obra na lavoura cafeeira de Vassouras, os escravos que chegavam vindos de várias regiões do Brasil ou diretamente de nações africanas, recebiam um nome português e um sobrenome com seu lugar de origem, logo, Manoel Congo indicava que o mesmo era originário do Congo, na África Central. Aos escravos nascidos no Brasil adicionava-se o sobrenome "crioulo".


Histórico

Entre os séculos XVIII e XIX, a maior quantidade de negros africanos transportados para o Brasil era de jovens saudáveis na faixa de 15 a 40 anos. Estes eram os preferidos e, logicamente, os mais valiosos, pois ofereciam maior desempenho no trabalho de derrubar matas, executar a plantação das lavouras, capinar, construir casas, lidar com animais, enfim, realizar todo o serviço diário que exigia grande vigor físico. Apesar de tudo isso ainda sofriam ameaças e castigos impostos pelos senhores das fazendas e os capatazes.

Apesar das ameaças e castigos os africanos eram sempre vistos com desconfiança e temidos pela rebeldia e pelo desconhecimento da língua e dos costumes portugueses e brasileiros, por terem uma religião estranha, pela alimentação pouco nutritiva e, principalmente, pela crueldade do homem branco.

O capitão-mor Manuel Francisco Xavier era um rico, proprietário de três fazendas em Paty do Alferes: Freguesia, Maravilha e Santa Tereza. Era homem rude que que administrava com mão de ferro suas fazendas. Era casado com Francisca Elisa Xavier que futuramente fora agraciada com o título de baronesa da Soledade, a primeira do nome.

Para a Fazenda Freguesia veio um negro forte, habilidoso, ferreiro de profissão, de pouca fala e pouco sorriso, chamado Manoel Congo que fora comprado por Manuel Francisco Xavier diretamente no Cais do Valongo, hoje Praça XV de Novembro, local preferido pelos navios para desembarcar os negros vindos da África.

Como dito, Manoel Congo era ferreiro, ofício que exigia força, destreza, e treinamento, o que garantia ao escravo certa superioridade sobre os demais escravos não especializados e ao senhor um maior valor econômico.

A sociedade da época tinha grande carência de ferreiros e marceneiros, tanto que, em 1832, foi criada em Vassouras a "Sociedade Promotora da Civilização e da Indústria" que, entre outras coisas, treinava os escravos considerados mais hábeis e inteligentes no ofício de ferreiro.

Dotado de grande espírito de liderança, corajoso e decidido, Manoel Congo promoveu uma fuga audaciosa na noite de 7 de novembro de 1838, conduzindo mais de trezentos fugitivos, entre homens, mulheres e crianças, em direção à Serra da Estrela, a caminho da Serra da Taquara. Entre os fugitivos destacou-se Mariana Crioula, costureira e mucama de D. Francisca Elisa, sendo considerada pela Senhora como “a preta de estimação”. À época Mariana Crioula contava com 30 anos e quando o grupo foi capturado foi ela a que mais resistiu à prisão. Gritava: “Morrer sim! Entregar não!”


A Revolta dos Malês

A Revolta dos Malês aconteceu na Bahia em 1835 e a notícia espalhou o medo e o temor de que novas revoltas pudessem acontecer no império. Denúncias e boatos de revoltas passaram a ser comuns em todos os lugares onde havia muitos escravos. Os “pretos minas”, oriundos da África Ocidental, eram os mais temidos, especialmente pelo envolvimento na Revolta dos Malês. É possível que Manoel Congo tenha tomado conhecimento dessa revolta, ou não, por meio de outros escravos oriundos da Bahia.


A Revolta de Manoel Congo

Em 5 de novembro de 1838 o capataz da fazenda Freguesia matou o escravo africano Camilo Sapateiro a tiros quando este ia sem autorização para a fazenda Maravilha. Os escravos tentaram linchar o capataz, mas foram contidos. Como nenhuma punição foi dada ao assassino o clima de revolta se estabeleceu nas senzalas das fazendas Freguesia e Maravilha.

Por volta da meia-noite, 80 negros arrombaram as portas das senzalas da fazenda Freguesia, atravessaram o pátio correndo e foram chamar as escravas de porta a dentro (domésticas) que dormiam no sobrado, arrombaram os depósitos e se apossaram de tudo quanto pudesse lhes servir de armas, facões, uma velha garrucha e foram esconder-se nas matas da fazenda Santa Catarina, de propriedade do capitão Carlos de Miranda Jordão.

Na noite seguinte saíram da mata e foram até a fazenda Maravilha, que também pertencia a Manuel Francisco Xavier, e ameaçaram matar o capataz, este, porém, fugiu para o telhado da casa e não foi alcançado. Colocaram uma escada na janela da cozinha para que as domésticas que dormiam na casa grande pudessem fugir, espancaram um escravo que não quis participar da revolta, abriram as senzalas e chamaram os outros escravos para juntarem-se a eles. Arrombaram os depósitos de mantimentos, pegaram os porcos capados que ainda estavam na engorda, e, finalmente, fugiram com todas as ferramentas e mantimentos que puderam carregar.

No caminho, o grupo ainda passou pela fazenda Pau Grande, pertencente a Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, que ficava perto, e libertou mais escravos das senzalas. Sabendo dos eventos, vários escravos também fugiram das fazendas São Luís da Boa Vista, Cachoeira, Santa Teresa, Monte Alegre, além de outras não registradas nos documentos históricos. Mais de 300 escravos talvez mais de 400, seguiram pelas matas cerradas da Serra da Estrela, a caminho da Serra da Taquara.

Devido à rápida adesão de outras fazendas e da existência de pontos de encontros demarcados no trajeto da fuga, alguns historiadores acreditam que a revolta tenha sido previamente planejada.

Manuel Congo foi, com certeza, o principal líder da revolta, mas também contou com a firme adesão e liderança de Mariana Crioula. Os dois assumiram a posição de rei e rainha dos revoltosos. Havia também o vice-rei, que supõe-se tenha sido Epifânio Moçambique, africano da nação Munhambane, escravo da fazenda Pau Grande. Os fugitivos formaram vários grupos e caminhavam pela mata durante todo o dia, no final de cada tarde, montavam um rancho para pernoite.

Não se sabe ao certo se a verdadeira intenção dos revoltosos era mesmo criar um quilombo, o que é provável devido o grande número de fugitivos, ou apenas ausentar-se por uns tempos e depois voltar às fazendas em condições de negociar melhores condições de trabalho e de vida para os negros, o que era comum acontecer. Ademais, a sobrevivência nas matas requer conhecimentos especiais e o poder de retaliação da sociedade escravocrata era muito forte. O que realmente surpreendeu e impressionou os fazendeiros foi a fuga em massa e ordeiramente liderada.

O capitão-mor Manoel Francisco Xavier, proprietário das fazendas saqueadas e da maioria dos escravos fugitivos, a contragosto pediu ajuda ao juiz de paz da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes, tenente-coronel José Pinheiro de Souza Werneck. É compreensível a sua relutância em pedir ajuda, pois ele não queria perder escravos em combates, melhor seria se eles voltassem ao trabalho sem ferimentos e do modo mais pacífico possível. Além disto, tivera um longo conflito político com o sargento-mor, depois padre, Inácio de Souza Werneck, avô do juiz de paz e do coronel-chefe da 13ª Legião da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck. E ainda teria que pagar os custos ao final de todo o processo.

No dia 13 de novembro o Juiz de Paz de Vassouras enviou então ofício ao Presidente da Província do Rio de Janeiro, Paulino José Soares de Souza, solicitando imediatas providências para a captura dos rebelados. Entre os mais importantes cabeças do movimento, encontravam-se, além de Manoel Congo, Miguel Crioulo, Belarmino Congo, Afonso Angola, João Angola, Adão Benguela, Epifânio Moçambique, Canuto Moçambique, Antônio Magro, Pedro Dias e Justino Benguela, além de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula, Brígida Crioula, Joana Mofumbe, Josefa Angola, Emília Congo, Balbina Congo e Manoela Angola.

José Pinheiro também enviou mensagem ao coronel-chefe da 13ª Legião da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck. seu primo, futuro barão de Paty do Alferes, pedindo-lhe providências, em prol "da manutenção da ordem e do sossego público". A 13ª Legião da Guarda Nacional era sediada em Valença e também mantinha a ordem pública nas vilas de Vassouras e Paraíba do Sul

As notícias da fuga geraram pânico entre os fazendeiros da região. Apenas 48 horas após o incidente, o coronel Lacerda Werneck já dispunha de 160 homens da Guarda Nacional, bem armados e prontos para a luta. Lacerda Werneck enviou memorando ao presidente da província do Rio de Janeiro enfatizando a disposição da tropa. A tropa liderada pelo coronel Lacerda Wernek e acompanhada pelo juiz de paz José Pinheiro, reuniu-se na fazenda Maravilha no dia 10 de novembro e no dia seguinte os homens partiram em perseguição aos revoltosos.

Os fugitivos foram facilmente localizados, pois para avançar em suas rotas necessitavam abrir picadas na mata densa enquanto os perseguidores já encontravam as picadas abertas, era só segui-las.

No mesmo dia 11 de novembro, às 05:00 horas da tarde, depois de caminhar algumas léguas, os perseguidores ouviram golpes de machado e falar de gente. Era o grupo principal, liderado por Manoel Congo, que avançava mais lentamente porque reunia as crianças, mulheres e velhos.

Os fugitivos perceberam que tinham sido alcançados e se prepararam para a luta. Atiraram contra os perseguidores e mataram dois e feriram outros dois da tropa. Em resposta mais de 20 negros foram mortos, entre eles José, o esposo de Mariana Crioula. Mariana Crioula foi a mulher que mais reagiu. Gritava: “Morrer sim, entregar, não!”.

Após longo tiroteio os escravos largaram as armas e tentaram fugir, mas foram alvejados nas pernas, cercados e obrigados a render-se. Nesse primeiro combate foram recuperadas as armas e os mantimentos roubados.

Os réus foram conduzidos em ferros para serem julgados em Vassouras a sede da vila a que estava subordinada a freguesia de Paty do Alferes. O povo reuniu-se para assistir a sua chegada. Uma das escravas aprisionadas, talvez Mariana Crioula, gritou que preferia morrer a voltar ao cativeiro, o que causou tumulto na multidão, que tentou linchá-la. Aos poucos, outros fugitivos foram se rendendo nos dias seguintes motivados pela fome, depois de vagar a esmo pela floresta, mas um grupo comandado por João Angola não foi capturado nem participou do combate porque não compareceu ao ponto de encontro com o grupo de Manoel Congo no dia 11. Também não se rendeu a posteriori. Foi visto tentando assaltar uma fábrica de pólvora, mas fugiu em direção a Serra do Couto, próximo a Serra da Estrela, escaparam para sempre e não mais se teve notícias desse povo.

Os fugitivos que retornavam não se apresentavam diretamente nas fazendas de onde tinham saído, procuravam uma fazenda próxima e pediam apadrinhamento, isto é, que seu proprietário os escoltasse até a fazenda de origem e pedisse clemência, que seus senhores os perdoassem pela fuga. No dia 14 de novembro chegaram 50 homens do exército comandados pelo tenente-coronel Luiz Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, enviados pelo governo da província, mas já não era necessário, pois os revoltosos já haviam sido capturados.

Dos mais de 300 rebelados apenas 21 foram a julgamento: Manuel Congo, Pedro Dias, Vicente Moçambique, Antônio Magro, Justino Benguela, Belarmino, Miguel Crioulo, Canuto Moçambique, Afonso Angola, Adão Benguela, Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula, Joanna Mofumbe, Josefa Angola e Emília Conga, todos das fazendas de Manuel Francisco Xavier.

Dos vinte e um réus quinze eram homens e seis mulheres, dez eram trabalhadores especializados ou domésticos e os demais eram trabalhadores da roça sem especialização. Os trabalhadores especializados eram ferreiros, como Manuel Congo, carpinteiros ou caldeireiros; todas as mulheres eram trabalhadoras domésticas especializadas como lavadeiras, costureiras ou enfermeiras.

Desses, Manoel Congo foi o único condenado à forca e os demais homens condenados a receber 650 açoites, dados no máximo de 50 por dia, nas formas da lei, e a três anos de gargalheira (gonzos no pescoço), exceto Adão Benguela, o único homem absolvido. As mulheres foram todas absolvidas, acredita-se que por intervenção de D. Francisca Elisa, que teria feito o pedido de clemência. Os escravos das outras fazendas não foram julgados. Epifânio Moçambique, que pertencia ao dono da fazenda Pau Grande, foi citado por várias testemunhas como um dos líderes ao lado de Manuel Congo e talvez tenha sido ele o "vice-rei" da rebelião, mesmo assim foi apenas interrogado no processo penal. Manuel Francisco, o fazendeiro cruel, porém, foi indiretamente punido, pois perdeu os escravos mortos no combate com a Guarda Nacional, perdeu seu ferreiro Manuel Congo e ainda foi obrigado a pagar os custos do processo.


Informações Complementares:

* Da manhã de 22 de janeiro de 1839 até o dia 31 do mesmo mês, o tribunal se reuniu na Praça da Concórdia, hoje Praça Barão do Campo Belo, diante da Igreja Matriz da Vila de Vassouras. O julgamento foi presidido pelo juiz interino Inácio Pinheiro de Souza Werneck irmão do juiz de paz José Pinheiro de Souza Vernek e, portanto, também primo do coronel Lacerda Wernek.

* A participação de Mariana Crioula na rebelião causou furor no julgamento, pois ela era "uma crioula de estimação de dona Francisca Elisa Xavier" que, como narrou o coronel Lacerda Werneck, só se entregou "a cacete" depois do combate e ainda gritando: "morrer sim, entregar não!". Ao ser interrogada, Mariana Crioula tentou dissimular sua participação nos acontecimentos e alegou que fora induzida à fuga, mas os outros réus a delataram como a "rainha" dos revoltosos.

* Julgado em Vassouras, Manoel Congo foi condenado à forca, subindo ao patíbulo em 6 de setembro de 1839. Casado com a negra Balbina Conga, Manoel deixou uma filha de nome Concórdia.

* No dia 6 de setembro de 1939, Manuel Congo subiu ao cadafalso no Largo da Forca, em Vassouras, para cumprir sua “pena de morte para sempre”: isto é, foi enforcado e ficou sem sepultamento. Marina Crioula foi obrigada a assistir ao enforcamento de seu companheiro de revolta.

* A gruta usada por Manoel Congo e seus companheiros como esconderijo não passa de uma profunda e escura escavação natural formada por um conjunto de grandes pedras graníticas em um dos outeiros da Serra de Santa Catarina. De acesso complicado, cansativo e com espaços reduzidos, custa crer que tantos negros tenham conseguido se reunir em um ambiente tão rude e exíguo.  De qualquer forma, aquilo significava para eles a tão desejada liberdade e o fim de sofrimentos físicos absurdos.   Um sonho não alcançado.



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